sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Inclusão dos Surdos na Capoeira

Carvalho, Fernando Rogério de


Resumo
Este artigo tem como principal objetivo apresentar o Desenvolvimento Corporal, Mental e Social dos Surdos e sua Inclusão na Capoeira através da análise das competências adquiridas em trabalho teórico/prático para atender essas necessidades. Para melhor entendimento foi feito um profundo estudo bibliográfico da História da Capoeira e da surdez, embasamento teórico utilizando autores como: Ciccone, Reis, Gallaudet, Kirk, entre outros. A capoeira tem sido mostrada e ensinada em todo território nacional e em alguns países, é com este artigo que vejo chegar mais próximo possível da comunidade surda, e mostrar a capacidade do profissional da capoeira ensinar esta arte genuinamente brasileira aos surdos. Contamos também com o histórico da surdez, a cultura surda, contada por alguns escritores. Uma das coisas que mais esta implícita neste trabalho é a maneira pela qual a capoeira se ajusta a pessoas surdas. Trata-se da sua cultura como língua, música, teatro, arte, dança, entre outras atividades corriqueiras em seu dia-dia, como se vestir, religião, sentimentos, idéias. Identidade surda, que só seria adquirida em contato com outro surdo.

Palavras-chave: Surdo; Capoeira; inclusão; Sociabilização, Corpo.

Abstract
Este artículo tiene el objetivo principal de presentar el Desarrollo del Consejo de Administración, mental y la inclusión social de los Sordos y la Capoeira a través del análisis de las competencias adquiridas en el trabajo teórico / práctica para satisfacer estas necesidades. Para mejor comprensión se hizo un estudio exhaustivo de la literatura y la historia de la Capoeira sordera, base teórica utilizando autores como: Ciccone, Kings, Gallaudet, Kirk, entre otros. La Capoeira se ha demostrado y enseña en todo el territorio nacional y en algunos países, es con este artículo que me lo más cerca posible de las personas sordas, y mostrar la capacidad de los profesionales del arte de la capoeira enseñar a los sordos realmente brasileño. También tenemos una historia de la sordera, la cultura sorda, le dijo por parte de algunos escritores. Una de las cosas que esto implica que más trabajo es la forma en que la capoeira apto para personas sordas. Esta es su cultura y su idioma, música, teatro, el arte, la danza, entre otras actividades actualmente en su día-día, la forma de vestir, religión, sentimientos, ideas. Sordos de identidad, que sólo se pueden obtener en contacto con otros sordos.

INTRODUÇÃO

Capoeira Cultura Brasileira: A inclusão dos Surdos na Capoeira. Este artigo vem apresentar os aspectos corporais, mentais e sociais do surdo colocando a capoeira como a atividade física mais completa para seu desenvolvimento, baseado nos aspectos fisiológicos que esta arte traz em seu desenvolvimento. Quando a palavra é saúde já vamos nos preocupar com corpo, (diz: Reis, 2006) que nestes anos na sociedade ocidental o sinônimo de saúde seria entendida como um perfeito funcionamento fisiológico, tendo em presença um corpo saudável. Mas não só pensando em corpos com estado de equilíbrio, pensamos num completo bem estar físico, mental e porque não em uma vida social saudável? Tendo uma vida social saudável podemos nos apresentar com mais saúde e desenvolver as atividades de nosso cotidiano com prazer e harmonia. Em vários aspectos da qualidade de vida e bem estar é incluído o estado somático, funções psicológicas, família, situação sócio-econômica, valores-necessidades, meio-ambiente, doenças, sociedade, cultura, conduta social justa e honesta, autonomia e escolhas, qualidade dos lares, desenvolvimento pessoal, integração comunitária e interação social (Kovac, 1995 apud Reis, 2006).

A riqueza que a capoeira como arte genuinamente brasileira, vem nos oferecer está dentro de todo contexto social vivenciado por todos aqueles que a praticam e estudam de uma forma ou de outra para a sua contextualização histórica e vivencial. Por vários fatores que coloco a pratica desta atividade em questão, fazendo o questionamento inicial deste trabalho numa reflexão sintetizando o objetivo da discussão deste artigo.

A cada dia que passa a capoeira vem crescendo muito, tendo seu início na época dos escravos e evoluindo até os dias de hoje. Considerada por mestres, professores e pela grande maioria das pessoas como uma arte, cultura, esporte e até mesmo uma filosofia de vida, trabalha o aspecto social e corporal de cada indivíduo de uma maneira muito especial, dando o valor que cada pessoa merece. (carvalho, 2003).

Atualmente percebe-se uma procura maior da comunidade surda pela pratica
corporal proporcionada também pela capoeira. Sabe-se que a pessoa surda exige métodos específicos que considerem suas dificuldades de aprendizagem, como o saber do profissional em libras, tendo também habilidades motoras diferenciadas, por parte da ausência de audição.

Conhecendo o próprio mundo do surdo, saberemos como trabalhar para ter o sucesso com as aulas de capoeira.

Sistematizando o aperfeiçoamento da pratica juntamente com a teoria, planejando o trabalho com a pessoa surda, num contexto socioeducativa. A capoeira tem a peculiaridade, em relação às outras modalidades, de favorecer a prática corporal, mas também de investir positivamente na consciência corporal de quem a pratica. Sabe-se que a consciência corporal envolve a imagem do corpo, o qual pode definir-se como instituição global, no conhecimento imediato de nosso corpo, seja em estado de repouso ou em movimento, em função da inter-relação de suas partes e, sobretudo de sua relação com o espaço, tempo e os objetos que nos rodeiam.

Este estudo pode ajudar e orientar profissionais que irão desenvolver o trabalho de capoeira com as pessoas surdas.

A atividade física vem buscar o maior equilíbrio pessoal do educando, conseguir hábitos de comportamento que assegurem certa autonomia e independência em desenvolver atitudes que facilitem na sua interação social.

Histórico da Surdez

As primeiras informações históricas sobre o início de uma sistematização na educação de surdo referem o fato ao início do século XVI.(diz Ciccione, pg,5). Contando que naquele tempo pessoas surdas já se comunicavam em um aspecto de mímica com pessoas não ouvintes. Segundo Ciccione (1972) a utilização sistemática desse tipo de linguagem, porém, terá seu início apenas no final do século XIX na Europa, embora já no século anterior, se tenha noticia do uso de um alfabeto manual que, com ligeiras modificações, é o que tem sido usado até hoje.

Segundo Ciccione foi nos Estados Unidos da América do Norte que nasceu a filosofia educacional que se sistematizou primeiro, em busca de uma comunicação total, dando assim um pleno caráter estratégico na linguagem das mãos.

Em 1815, o professor Norte Americano Thomas Hopkins Gallaudet na busca de um método mais apurado para a instrução de seus alunos surdos, viajou para Europa, mas precisamente na Inglaterra, com a programação muito extensa num período longo de treino e especialização, sentiu-se desencorajado porque o reteria ali por um tempo grande. Mas foi neste país que pela primeira vez teve contato com um representante francês durante uma conferência.

Com um novo método de ensino na língua de sinais que Abade Sicard apresentava, Gallaudet viajou para outro país da Európa, à França no intuito de conhecer mais de perto a alternativa que este conferencista lhe oferecia. Conforme assinala Ciccione (1990). Voltando ao seu país de origem Gallaudet, chegou acompanhado de um surdo francês, cujo nome Laurent Clerc, disposto a fazer uma grande mudança na filosofia educacional norte americana, adotada por seus profissionais.

Cultura Surda

A despeito de os surdos não terem dúvidas quanto a suas identidades culturalmente distintas, as pessoas não-surdas têm muita dificuldade em admitir que os surdos têm processos culturais específicos, então, muitos continuam a tratar os surdos apenas como um grupo de deficientes ou incapacitados.( Sá, 2006).

Falando dos elementos culturais pensamos que seja um conjunto de conceitos para um determinado grupo, expondo sua língua, música, teatro, arte, dança, entre outras atividades corriqueiras em seu dia-dia, como se vestir, religião, sentimentos, idéias. Poche (1989) apud Santana, afirma que, por cultura, entende-se os esquemas perceptivos e interpretativos segundo os quais um grupo produz o discurso de sua relação com o mundo e com o conhecimento, ou qualquer outra proposição equivalente; a língua e a cultura são duas produções paralelas e, além disso, a língua é um “recurso” na produção da cultura, embora não seja o único. Diz Sá, que a cultura surda é socialmente construída como uma sub-cultura , e o objetivo socialmente valorizado passa a ser: tornar os surdos “aceitáveis” para a sociedade dos que ouvem, por isto muitos surdos precisam ser “ferrenhos” ao oferecer resistência à negação de suas identidades.

Podemos dizer também que a surdez é a base narrada daquilo que Carlos Skliar e Ronice Quadros chamam de “quantidades indiscretas, manipuláveis e obscenas” (2000, p.3). A surdez geralmente é tida como limitação e o espaço do convívio cultural e comunitário dos surdos não é valorizado como um “ambiente social” normal – normal costuma ser fingir que é ouvinte e freqüentar uma escola regular comenta (Sá, 2006). A professora Nidia fala também que há uma grande dificuldade de ser entendido a existência da cultura surda porque a maioria das pessoas baseia-se num “universalismo” (2006). Segundo Sá (2006) apud Owen Wrigley (1996), “os universalismos, em todo discurso, são alimentados pela noção de que os seres humanos compartilham propriedades comuns. Esta busca pelo universalismo é acompanhada pela acomodação ou por estratégias usadas para neutralizar os desafios às definições hegemônicas.

A cultura surda refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de organização, de solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte, etc. Os surdos envolvidos com a cultura surda, auto-referenciam-se como participantes da cultura surda, mesmo não tendo eles características que sejam marcadores de raça ou de nação.

IDENTIDADE SURDA

A maioria dos estudos tem como base a idéia de que a identidade surda está relacionada a uma questão de uso da língua. Contudo, o uso ou não da língua de sinais seria aquilo que definiria basicamente a identidade do sujeito, identidade que só seria adquirida em contato com outro surdo diz Santana e Bergamo. Na realidade o contato do individuo surdo com outro que também use a língua de sinais, surgirá novas possibilidades interativas, de compreensão, de diálogo, de aprendizagem, que fica meio obstruída por meio da língua oral. Assim mostrar-se que a aquisição de uma língua, e de todos os afeitos a ela, faz com que se acredite à língua de sinais a capacidade de ser a única capaz de oferecer uma identidade ao surdo.

A identidade seria uma construção permanentemente (re)feita que buscaria tanto determinar especificidades que estabeleçam fronteiras identificatórias entre o próprio sujeito e o outro quanto obter o reconhecimento dos demais membros do grupo social ao qual pertence. Seria, portanto, nessa relação, no tempo e no espaço, com diferentes outros que o sujeito se construiria. É, com isso, nas práticas discursivas que o sujeito emerge e é revelado. Ou seja, é principalmente no uso da linguagem – e não qualquer materialidade lingüística específica que as pessoas constroem e projetam suas identidades (SANTANA e BERGAMO, 2005 ).

A verdade é que não existe uma identidade exclusiva e única, como a identidade surda. Ela é formada por qualidades sociais diferentes, surdo rico, branco, professor, mãe etc. e também pela língua que se faz a construção de sua subjetividade. Comenta Bergamo e Santana a expressão de Cameron et al. (apud Lopes, 2001, p. 310), “a pessoa é um mosaico intrincado de diferentes potenciais de poder em relações sociais diferentes”. Olhando por esse lado, não terá escolhas na identidade surda, isso independente da nossa mera vontade. São todas determinadas pelas práticas sociais, impregnadas por relações simbólicas de poder. Sendo obvio que essas práticas sociais e essas relações simbólicas de poder não são estáticas e imutáveis ao longo da vida dos sujeitos. Santana e Bergamo diz que a constituição da identidade pelo surdo não está necessariamente relacionada à língua de sinais, mas sim à presença de uma língua que lhes dê a possibilidade de constituir-se no mundo como “falante”, ou seja, à constituição de sua própria subjetividade pela linguagem e às implicações dessa “constituição” nas suas relações sociais.

A identidade não pode ser vista como inerente às pessoas, mas sim como resultado de praticas discursivo e social em circunstâncias sócio-históricas particulares. Tendo em conta o modo em que a surdez é concebida socialmente também influencia a construção da identidade. O sujeito não pode ser visto dentro de um “vácuo social”. Ele afeta e é afetado pelos discursos e pelas práticas produzidos (Santana e Bergamo, 2005).

A problematização do surdo no ajustamento social e pessoal

Tendo em vista que o surdo tem sua cultura própria, quando se fala em sociabilização. Embora a perda auditiva não leve inevitavelmente a dificuldades sociais e de personalidade, pode criar um ambiente em que tais dificuldades aparecem facilmente (Kirk, 1987 apud Meadow, 1980). Como exemplo deste tipo de influência ambiental pode ser ilustrado uma criança surda na sua vez em um determinado momento de atividade onde quer brincar, não consegue dizer “eu quero brincar” ou “Agora é minha vez”, esta criança pode indeterminadamente empurrar a outra, sendo, conseqüentemente, rotulada de “agressiva”, e causando alguma dificuldade de relacionamento interpessoal, (diz Kirk 1987). Com estas repetições de comportamento podem acarretar sérios problemas de adaptação social.

Kirk, 1987 apud Davis, 1981, relatou que crianças com perdas auditivas, estudantes, expressaram sentimentos de solidão e rejeição. As amizades são, muitas vezes, limitadas a uma ou duas, não são escolhidos representantes ou lideres de torcidas de jogos na escola. A perda auditiva na adolescência cria um problema específico com a dificuldade de comunicação.

Crianças anseiam por estarem juntas com outras com características semelhantes, com as quais se sentem aceitas e à vontade. Esta procura por indivíduos da mesma identidade ou seja identidade surda, vai até a idade adulta. Kirk (1987) pode-se observar, em muitas cidades grandes, uma subcultura de indivíduos deficientes auditivos, que formaram um subgrupo, que se casam entre si e geralmente permanecem separados da sociedade dos que têm adição normal.

Histórico da Capoeira

A Origem da capoeira vem da época do Brasil Colônia, na vinda dos negros africanos ao Brasil provocado pelos europeus, com uma finalidade de fazer do país uma fonte para obter riquezas. Em um período bem próximo a 1600, em que a época de exploração era bem acentuada, também em função de mercadorias e lucros, o negro fazia parte da economia passando a ser “comercializado” entre os seus senhores mantendo um trabalho escravo injustiçadamente (atingidos pela desnutrição, maus tratos, doenças...). Longe de toda sua família, cultura e hábitos, tinham os negros apenas a Senzala como moradia. (Carvalho, 2003) contextualizou que freqüentemente, os negros escravos se rebelavam devido à situação em que eram submetidos, e, ainda que não houvesse armas, eles combinavam fugas e tentavam suicídios. Contudo algumas vezes houve êxito dos escravos ao tentarem algumas fugas organizadas, que tinham como conseqüência à formação de vilarejos, chamados de quilombo no meio das matas do nordeste, como exemplo o Quilombo dos Palmares que se fortalecia pela quantidade de negros que recebia de diversos locais, dispostos a recuperarem seus direitos de liberdade, suas tradições e cultura. Por falta de recursos materiais, o negro africano começou a utilizar o seu corpo como forma de defesa e luta contra “capitães do mato”¹, senhores de engenho e capatazes, assimilando os movimentos naturais, reações dos animais e elementos da cultura africana (rituais, danças, brincadeiras, competições) (Carvalho, 2003). (Almeida (1986) apud Reis (2006) explica que o crescimento da cidade sem a economia adequada, com um planejamento sócio-cultural voltado para a inclusão dos escravos recém-libertos expandiu ainda mais a desigualdade social.

Concluindo a capoeira é uma arte/luta que foi originada na ânsia da liberdade dos negros africanos no Brasil, visto que não foi identificada sua manifestação e pratica em outro país antes do período da escravatura (Brasil Colônia). Diz (Carvalho, 2003) que certamente, existia a discriminação de toda sociedade sobre a raça negra escrava por conseqüência das revoltas e duma pratica proibida como a capoeira, que utilizou a ginga como disfarce para uma dança, mais tarde, introduzindo o berimbau para cadenciar os movimentos e dar ritmo às cantigas.

O trabalho corporal na pessoa surda como forma de atividade física.

Entendemos que o Professor de ouvintes vem com um determinado vício de ensino, pois está acostumado a trabalhar com alunos com diferentes aspectos culturais, precisamos entender que a diferença entre ouvintes e surdos é muito grande em questões culturais e na linguagem. Para melhor trabalho o professor terá a difícil tarefa de não ficar mais só na sua área da atividade física, como diz (Lapierre, 2002, pg.44), temos que sair da ambigüidade e assumir uma identidade de analistas e de terapeutas. Precisamos então assumir que somos analistas de corpos, trabalhando para uma vida mais saudável e justa.

O primeiro passo é o conhecimento da língua materna dos surdos a “libras”, onde o profissional terá que estar desempenhando com habilidade, depois o conhecimento da cultura surda, onde esta interligada a vivência do surdo com sua família e amigos, logo após ter o conhecimento do corpo com o qual estará sendo trabalhado.

A capoeira esta ligada ao corpo e seus aspectos motores dentro de algumas mudanças no conceito da educação física, a fim de ampliar o seu significado. Comenta (Reis, 2001, pg; 33) que novos conceitos tendem a contemplar melhoria de qualidades físicas, lazer, prazer, interações interpessoais, criatividade, liberdade, emoção à concepção holista de homem integral e universal, com vistas ao bem-estar bio-psico-social e, principalmente, quanto à concepção de “corpo”. Estamos também preocupados com a matriz teórica, que considera o movimento corporal humano a partir das seguintes dimensões: “biomecânica, biofísica, bioquímica, fisiológica, social e cognitiva” (Reis, 2001, pg;33).

A Capoeira como formação social, intelectual e corporal do surdo.

Conforme assinala, Reis ( 2003, p.73).
“(...) da mesma forma que nossos meninos se dirigem diariamente às academias de Judô e Karatê, portando seus uniformes dessas lutas orientais, deseja o Autor que, em futuro próximo, se sintam eles orgulhosos de levar sob os braços o seu uniforme de capoeira, como símbolo não apenas de sua coragem e destreza, mas e sobretudo, de sua alma nacional, de sua consciência impregnada de brasilidade”.

A capoeira tem sido estudada por profissionais de diversas áreas, colocando-a como um rico componente que poderia fazer parte de diversas áreas do conhecimento humano em estudos científicos, pesquisas e trabalhos curriculares de ensino. (Marinho, 1980 apud Reis, 2003) diz que a capoeira é uma ginástica baseada essencialmente na destreza, na velocidade dos movimentos e não nos movimentos de força, porque o brasileiro traz na sua estrutura sômato-psíquica os elementos essenciais para ser ágil, flexível e imprevisível nos recursos de esquiva.

Mostra assim que o homem na sua historia tem o compromisso em suas praticas físicas que retratam o seu saber popular. Este seria um forte elemento presente nos estudos da prática da educação física como fins de aquisição dos benefícios sociais na compreensão da luta histórica do povo em busca de sua cidadania fazendo isso uma busca na questão da qualidade de vida social e coletiva, comenta (Reis, 2003, p. 74 e 75).

O aspecto emocional de uma criança, jovem ou adulto nos preocupa muito, quando se fala de stress, pois qualquer esporte também pode ser um gerador deste potencial. “... se não adequado às necessidades e potencialidades dos praticantes, principalmente se estes forem pessoas despreparadas para encarar situações complicadas do processo competitivo elas podem apresentar alguns indicativos como: medo de competir, preocupação co o resultado da competição, ansiedade e nervosismo, alterações no sono e no apetite e algumas vezes até o abandono da atividade (Reis, 2003)”. Toda pessoa tem seu próprio ritmo e devemos respeitar garantindo sempre seu bem-estar físico, psicológico e social.

O jogo da capoeira esta sempre requisitando o contato permanente entre os jogadores, reagindo e pedindo atenção de um com o outro. A promoção de uma capoeira em grupo tem sido vista como uma escola da vida encorajando corpos a removerem inibições, conhecerem outras pessoas, fazer amigos, entenderem a rivalidade e evitar inimizades.

A potencialidade do individuo surdo que treina a capoeira fica mais apurada, entendendo que a capoeira é uma arte/luta que ensina valores sociais e desenvolve características de habilidades motoras como a coordenação, agilidade, força e reflexo. Tem em sua totalidade a diversidade em matéria de som, ritmo e movimento, como diz (Reis, 2001, pg.117), em um estudo sobre a musicalidade da capoeira, que o estímulo fornecido à atividade de capoeira, talvez esteja ligado às músicas e aos instrumentos musicais que acompanham o “jogo” da capoeira. Vejo isso quando trabalhamos com os surdos, por eles não escutarem o som dos instrumentos, mas sentindo as vibrações passadas pelo próprio material a pessoa surda entende isso como um ritmo que se deve ser seguido, utilizando de outras habilidades de seu corpo para estar sempre em constante participação.

Considerações Finais

A capoeira como um meio de sociabilização, saúde e trabalho intelectual está sempre ligada a um exercício direcionado ao próprio profissional que está desenvolvendo a técnica do aprendizado. Contando com a inclusão do próprio surdo nestas atividades, percebemos que a convivência com pessoas ditas normais sem nenhum problema típico da surdez, no meio dos surdos é de grande importância, pois quebra o paradigma que os surdos só estão contidos em sua tribo (turma), e não podem ser incluído em outras turmas, só pelo fato de não escutar. É de suma importância a interação da capoeira ao meio surdo para o convívio harmonioso e alegre durante as atividades que são proporcionadas aos mesmos, pois a prática esportiva como já vimos falar é a atividade física que mais trabalha os três aspectos: físico-motor, cognoscitivo e sociabilização.

Foram os objetivos deste trabalho analisar a inclusão dos surdos na capoeira, contando com as literaturas que aqui estão citadas e a prática da capoeira como esporte e educação.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CICCONE, Marta. Comunicação Total: Introdução*Estratégia*A Pessoa Surda – Editora: Cultura Medica Ltda, 1990.
REIS, André Luiz Teixeira. Capoeira: Saúde & Bem-Estar Social – Brasília – Editora: Thesaurus, 2006
CARVALHO, Fernando Rogério de. A Atuação profissional do professor de educação física e de capoeira para ensinar portadores de necessidades especiais mentais – Trabalho de Conclusão de Curso (Tcc) – Educação Física. Curitiba, 2003.
QUADROS, Ronice Müller de. Educação de Surdos – A aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Medicas, 1997.
KIRK, Samuel Alexandre. Educação da Criança Exepcional. São Paulo: Martins Fontes,1987.
LAPIERRE, Andre. Psicomotricidade relacional e análise corporal da relação. Curitiba: UFPR, 2002. (pesquisa;nº63)
REIS, André Luiz Teixeira. Educação Física & Capoeira: saúde e qualidade de vida. Brasilia: Thesaurus, 2001.
SANTOS, Aristeu Oliveira dos. Capoeira Arte-Luta Brasileira. Curitiba: Imprensa Oficial do Estado, 1993.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808 - 1850). - 2ª ed. rev. e ampli. – Campinas, SP: Editora da UnicamP, 2004.
SÁ, Profª Drª Nídia Limeira de. Existe uma Cultura Surda? Texto – Internet – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação - http://www.eusurdo.ufba.br ou www.eusurdo.ufba.br/arquivos/cultura_surda.doc.
*SANTANA, Ana Paula. e **BERGAMO, Alexandre. Cultura e Identidade Surdas: Encruzilhada de Lutas Sociais e Teóricas Maio/Ago. 2005.


GRUPO MALTA SENZALA


CAPOEIRA PATRIMONIO CULTURAL

É coisa nossa Capoeira é declarada patrimônio cultural do país. Em seus múltiplos sentidos, ela caminha junto com o Brasil. Lorenzo Aldé


Luta ou jogo? Dança ou esporte? Festa, religião, estilo de vida. Raça e miscigenação. Raízes e globalização. Pode escolher qualquer ponto de vista. Existe uma expressão cultural capaz de se encaixar nos mais diferentes discursos e simbolismos. E sua identidade é tão brasileira que se transforma de acordo com as andanças deste camaleônico país.

No dia 15 de julho, um conselho consultivo do Iphan se reúne em Salvador para definir algo que já parece fato consumado: a capoeira é um patrimônio nacional. Modéstia à parte, até internacional, pois está presente em mais de 150 países, com direito a professores tupiniquins, cantos em português, berimbaus, pandeiros e tudo mais.

Como o samba (que recebeu a mesma honraria este ano), a capoeira nem de longe está ameaçada de extinção. Não carece de notoriedade, não é mais perseguida como foi por muito tempo, mostra grande vitalidade na adaptação ao mundo moderno, sem perder suas referências originais. Então, qual é a utilidade do título que vai receber?
Em primeiro lugar, para se obter o registro de qualquer patrimônio imaterial é preciso realizar uma ampla pesquisa documental e de campo. Entre 2006 e 2007, pesquisadores do Rio de Janeiro, de Salvador e de Recife fizeram um mapeamento completo de todos os estudos já realizados, livros e filmes já produzidos, sobre a capoeira e sua história. O produto final, chamado oficialmente de “inventário”, pode ajudar a desfazer alguns mitos e a divulgar incríveis e pouco conhecidas contribuições da capoeira para a cultura nacional.

O mito de origem consagrado pelo senso comum é aquele que associa a prática ao ambiente rural. Nas senzalas, escravos manifestavam sua resistência ao cativeiro treinando lutas herdadas dos ancestrais africanos, mas as disfarçavam com a dança e a música para não despertar a suspeita dos senhores de engenho. Não há documentação que comprove essa tese. “Não existe nenhum registro de capoeira em Palmares, por exemplo. Ela estava muito mais presente nas cidades portuárias do que nos quilombos”, explica Maurício Barros de Castro, doutor em História Social pela USP e assistente de coordenação da pesquisa.

Arte urbana e marginal. O mais antigo registro já encontrado vem do Rio de Janeiro e data de 1789. É um documento sobre a libertação de um escravo chamado Adão, que havia sido preso por praticar “capoeiragem”. No século seguinte, “o capoeira”, no masculino, já é um personagem conhecido nas cidades de porto. Nelas, o espaço da rua concentra intenso comércio, onde os chamados “escravos de ganho” dedicam-se a trabalhos intermitentes. Nessa convivência, passam a se reunir em grupos, disputam territórios, promovem brigas e arruaças, freqüentam as ocorrências policiais. O capoeira é o pai do malandro.

Curioso é que em Salvador, durante quase todo o século XIX, em nenhum documento aparece o termo “capoeira”. O fenômeno era parecido com o que ocorria no Rio e em Recife, mas na imprensa e nos processos policiais soteropolitanos surgiam apenas sinônimos para designar aqueles marginais (“valentões”, “bambas”, “navalhistas”) e seus delitos (“rabo de arraia”, “cabeçada”, “rasteira”, “pontapé”). Será que a palavra só chegou lá mais tarde? Maurício Barros de Castro não se arrisca a essa conclusão, preferindo destacar outro ponto importante do inventário: o estímulo a novas pesquisas. “Apesar das iniciativas de pesquisadores como Antônio Liberac e Fred Abreu, a Bahia do século XIX ainda está para ser mais estudada, ao contrário do Rio, que se conhece bem”, diz.

Em Recife, a pesquisa foi recebida com particular entusiasmo pelo mesmo motivo – é onde existe menos documentação levantada sobre o assunto. Conhecida como terra do frevo, a capital foi reduto de muita capoeiragem até que a intensa repressão policial a obrigou a sair de cena, camuflando-se em outras manifestações populares. O próprio passo do frevo inspirou-se na brincadeira dos capoeiras no carnaval, puxando os cordões com suas navalhas em punhos, entre rodopios e piruetas.

No Rio, a dança do mestre-sala e da porta-bandeira deve sua origem à mesma influência. Malandragem, capoeira e samba sempre andaram juntos, compartilhando a ginga que abençoou outra arte maior do Brasil: o futebol. O esporte chegou ao país em 1894, por intermédio do inglês Charles Miller, apenas quatro anos depois de aprovado o Código Penal que tornou a capoeiragem um crime e deu início à pesada perseguição oficial. O football logo chegou às várzeas e ganhou a ginga que Deus nos deu. Ginga, corruptela de Nzinga, lendária rainha guerreira de Angola. Além de inventar o que um dia seria chamado de “futebol-arte”, os jogadores teriam incorporado da capoeira alguns costumes evidentes, como benzer-se antes de entrar na roda (ou em campo) e a adoção de apelidos pelos jogadores (estratégia dos capoeiras para fugir de processos judiciais). Pura especulação, mais um tema para estudos.

Há várias outras grandes histórias à espera de investigação mais profunda. Como explicar, por exemplo, que em plena capital do Império o onipresente Debret, pintor oficial da Corte, nunca tenha registrado aquelas cenas tão populares? E que daquela época só se conheçam três registros iconográficos – um de Augustus Earle e dois de Rugendas (em um deles, os participantes aparecem de punhos fechados)? Também sabe-se pouco sobre a sedução que a vistosa luta marginal despertava em intelectuais, letrados e militares – o barão do Rio Branco, quando jovem, teria praticado o jogo. E sobre o sistemático desterro de capoeiras para a ilha de Fernando de Noronha assim que saiu o Código Penal daquele fim de século.

Já não parece exagero afirmar que a capoeira permeou toda a formação de nossa cultura popular urbana. Não falta ao currículo daquelas maltas nem mesmo a presença no mais marcante conflito de que o país participou – os capoeiras se alistaram (e foram alistados) maciçamente na Guerra do Paraguai (1864-1870). Na esfera política, criaram a Guarda Negra (1888), em defesa da monarquia e da Abolição, e serviram, nas três cidades, como “capangas” de políticos – oscilando entre a defesa de republicanos e de conservadores. Em troca, as autoridades faziam vista grossa à sua briga-jogo de rua.

Mais próxima, a história da capoeira na segunda metade do século XX pode ser em boa parte contada por testemunhas vivas. E foi o que a pesquisa providenciou. Entrevistas com 17 experientes mestres explicam em detalhes os vários rumos que a história tomou depois da década de 1930, quando Getulio Vargas proclamou a capoeira o “único esporte genuinamente nacional” e apertou a mão do Mestre Bimba (1900-1974), baiano responsável pela criação e disseminação do estilo Regional, que dialoga com as artes marciais orientais. Modernizada, ela ganha o Brasil e o mundo. Ao mesmo tempo, multiplica-se em estilos diversos (que até rendem controvérsias entre os praticantes), e não abandona a rua e o improviso, flertando com o candomblé e a culinária regional. Em cada depoimento, um pedaço de um mesmo universo aparentemente infinito, como que a dar razão à autofágica definição do grande Mestre Pastinha (1889-1981), defensor da vertente Angola, pretensamente mais pura: “Capoeira é tudo o que a boca come”.

“O que eu queria ser era valentão. Ouvia dizer que tinha uma dança em que a pessoa bate no adversário sem precisar pegar. Então eu disse: quero aprender! Até quando vi a capoeira e disse: essa tá boa”, recorda João Pequeno de Pastinha, 90 anos, 75 de capoeira. Ele foi carvoeiro, condutor de bonde, ajudante de pedreiro, mestre-de-obras, condutor de boi “e outras coisas que nem me lembro”, mas de roda em roda (“nas praias, quintais, terreiros, praças e festas”), a vida o levou mais longe. “A capoeira me tornou doutor”, orgulha-se o mestre, ou melhor, Doutor Honoris Causa condecorado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Não é de hoje que a prática é bem aceita em vários ambientes sociais. “A diretora da Sociedade Pestalozzi me perguntou se eu gostaria de dar aulas para as crianças deficientes, pois havia feito elas rirem. As crianças, com a capoeira, abriam os braços, cantavam e riam. E toda aquela arte-terapia das psicólogas não conseguia fazer o que a capoeira fazia. Desatrelá-las e fazer com que rissem e até olhassem. Porque elas não olham as pessoas diretamente. Eu falava para elas olharem para mim para poder gingar. Então a capoeira foi desorganizadamente ampliando seus horizontes”, conta o Mestre Vilmar, do Rio de Janeiro.

No fim dos anos 1950, ele foi aluno de Artur Emídio, um dos precursores da internacionalização da capoeira. “O Artur e o Djalma Bandeira foram contratados por um cara chamado Carlos Machado, que era o rei das noites cariocas e montava shows para ir apresentando pelo mundo. Eles foram a teatros famosíssimos em Lisboa, Paris, Roma e Estados Unidos em 58 e 59. ‘Skindô’ é um show internacionalmente conhecido”. Em espetáculos para turista ver, surge uma fonte de renda para os mestres, que sempre passaram sufoco para viver do ofício.

A progressiva profissionalização do “esporte” – que nos anos 1970 chegaria a ser vinculado à Confederação de Pugilismo, ganhando também cordéis coloridos por nível, à semelhança do caratê – não fez sumir a capoeira de pé no chão. Ou melhor, sapato. “Eles tiravam o domingo, vestiam a sua melhor domingueira, seu terno, gravata, colete, sapatinho bico fino, e jogavam capoeira no barro. Capoeirista respeitava o outro, não precisava sujar a domingueira do cara, era a roupa da missa. Você não precisava sujar o cara com o pé, meter o pé na roupa dele para provar que você estava em condições de chutá-lo ou de jogá-lo no chão. Era uma coisa de vadiar, de brincar. Era a maneira que eles tinham de se expressar, era uma ritualização. Em vez de irem para igreja católica, eles iam jogar capoeira. Tomavam uma, cuspiam grosso, e partiam de novo”, descreve o mestre José Carlos, 36 anos de roda, aluno de Mestre Moraes, baiano que na década de 1970 fez ressurgir a capoeira Angola no Rio de Janeiro.

Nos morros, a malandragem ainda tinha um tom romântico, toda uma ética própria. “Naquela época, o negócio das drogas era muito leve. Não estava ainda essa loucura, esse tráfico pesado. O dono da boca no morro tinha um Taurus 32. Imagina se isso é calibre de revólver. Geralmente era um malandro, já de 45, 50 anos, que se dava bem com a comunidade. Era valente, mas era malandro também. Nessa época, comecei a freqüentar o morro e percebi a separação do malandro pro valente, pro 171, pro golpista, pro batedor de carteira, pro cara que furta. O malandro era um filósofo. É claro que se tivesse necessidade de ganhar um dinheiro pra sobreviver podia dar até uns golpes. Mas geralmente nem precisava. Estava uma vez na Mangueira, num boteco com um malandrão, não me lembro o nome. O cara já mais coroa, com uns 50 anos. Aí chegou uma moça para fazer o censo (...) e perguntou ‘O senhor vive de quê?’ Ele falou ‘Vive de quê? Como assim, minha senhora?’ ‘Todo mundo precisa de dinheiro para sobreviver’. ‘Minha senhorita, eu vivo dos meus prestígios’”, conta Nestor Capoeira, 62 anos, discípulo de um malandro por excelência, o Mestre Leopoldina.

Quem testemunhou a transformação da capoeira nas últimas décadas se espanta com a capacidade que o jogo tem de mimetizar o que surge à sua volta. Por vezes torna-se quase irreconhecível, como quando dispensa até mesmo berimbau. Nos anos 1980 “estava uma loucura, tinha capoeira em todo lugar. Nas academias de status, as rodas não tinham som ao vivo, era eletrônico”, comenta Nestor. Não param de surgir coisas híbridas, como “capoeira fu”, “capiboxe”, “capojitsu” e “hidrocapoeira”. Algumas inovações são acolhidas sem problemas: “Eu comecei a ver os caras dando salto por volta de 1990. (...) É lógico que há uma influência da ginástica olímpica na capoeira, assim como o lance dos golpes da Senzala muito retos, que ficou sendo uma característica deles, é influência do caratê. Mas eu acho legal dar um salto maluco daqueles, encaixando dentro do jogo”, completa.

Como “registrar” e “salvaguardar” um patrimônio que se expressa de formas tão múltiplas? A equipe do Iphan fez encontros com capoeiristas dos três estados para conhecer sua realidade e ouvir suas demandas. Optou por privilegiar dois elementos sem os quais não existe capoeira: a roda e os mestres.

“A roda é o lugar onde a capoeira se perpetua, onde tem continuidade. Reúne todo o aspecto simbólico, ritual, histórico, musical, social, e no entorno se relaciona com o candomblé, a culinária, a intelectualidade. A roda é também o espaço informal de aprendizagem. Quem organiza e quem transmite o saber é o mestre”, sintetiza Maurício Barros de Castro.

O inventário propõe até uma política ambiental capaz de preservar a árvore biriba (Eschweitera ovata), típica da Mata Atlântica baiana e, portanto, ameaçada de extinção. É com ela que se fabrica o berimbau tradicional. Espécies alternativas, como pau d’arco, açoita-cavalo, pitomba e itaúba preta, não estão em melhor situação.

Já o mestre, herdeiro e propagador maior dessa arte, nem sempre colhe os frutos do sucesso comercial da neocapoeira ou de sua globalização. Nos anos 1970, Mestre Bimba morreu esquecido em Goiás. Nos 1980, Mestre Pastinha morreu cego e pobre em um cortiço de Salvador. “À beira da morte, perguntaram a ele se a capoeira estava mal. Ele disse que não: ela estava na universidade, chegara a vários países... Quem estava mal era ele, o mestre”, conta o pesquisador.

Os mestres de hoje não estão em situação muito melhor. “Apesar de ter de 60 a 80 alunos, não estou vendo como vou conseguir continuar dando aula sem que seja pago para isso. Estou precisando de uma ajuda pública federal, estadual ou municipal. Tenho medo de que meus alunos tomem um rumo ruim na vida e eu pague por isso”, lamenta o Mestre Gajé, de Salvador.

Vale perguntar ainda o que define um mestre. Com a palavra, um deles: “Tem pessoas que passaram pela capoeira vinte, trinta anos, e são extremamente violentas. Não aprenderam o objetivo da capoeira. Ele viveu a capoeira, a capoeira passou por ele e ele não entrou na capoeira, deu pra entender? Porque não é só saber dar golpe não, ele tem que passar o fundamento, tem que passar a filosofia, tem que passar o que é ser mestre de capoeira. Não adianta ele entrar numa academia, mostrar que é bom, e do lado de fora ficar fazendo besteira”, defende o Mestre Coca-Cola, de Olinda (PE).

Garantir a esses ensinadores as condições de vida mínimas para poderem desempenhar seu ofício esbarra num entrave legal. Ainda está em vigor a lei n° 9.696/98, que determina que qualquer modalidade esportiva precisa ter o aval dos Conselhos de Educação Física. A burocracia atingiu em cheio os mestres tradicionais, formados na escola da rua. Oficialmente, para lecionar eles precisam de diploma superior. A lei não chega a impedir seu trabalho nas academias (felizmente, não “pegou” a este ponto), mas dificulta muito qualquer programa de inclusão da capoeira em projetos oficiais. Ensinar em cursos de colégios e universidades, por exemplo, só com diploma. Enquanto não é votado o projeto de lei que derruba essas amarras (n° 1371/07), não custaria ao Ministério da Educação (MEC) criar mecanismos que reconhecessem o notório saber dos grandes capoeiristas, o que lhes permitirá lecionar sem problemas. Esta é uma recomendação do documento, para “implantação imediata”.

A informalidade característica do trabalho dos capoeiras desde sempre (estivadores, feirantes, biscateiros) traz outros problemas que o Plano de Salvaguarda quer ver superados. O Iphan defende o direito dos mestres a uma aposentaria especial e propõe um “Programa de Incentivo da Capoeira no Mundo” – pois conseguir passaportes e vistos nem sempre é tarefa fácil para esses embaixadores da cultura nacional.

“A capoeira é uma cultura tão virtuosa, de tamanha grandeza, que eu me sinto pequeno diante de tantos valores. Embora muitos me considerem como mestre de capoeira, eu costumo dizer que prefiro ser reconhecido como um dos zeladores dessa cultura”, define Mestre Russo, de Duque de Caxias (RJ).

Reconhecidos ou não, os zeladores hão de perpetuar a mais brasileira das manifestações, como sempre fizeram. Proclamá-los como patrimônio diz menos respeito a eles mesmos do que à capacidade do país de valorizar o que realmente importa. Quem estiver pronto para assumir essa identidade nacional que peça a bênção e entre na roda.


GRUPO MALTA SENZALA



CAPOEIRA DO SÉCULO XIX

A CAPOEIRA DE OUTRORA, SECULO XIX, PERNAMBUCANA E CARIOCA E SUAS PERSPECTIVAS IDENTITÁRIA E TERRITORIAL E A CAPOEIRA CONSTRUÍDA, SECULO XX, SEM PERSONALIDADE SOCIO CULTURAL.

Mestre Gil Velho - 2008

A Capoeira tem a sua origem ainda muito discutida. Pois, esta perspectiva está atrelada, hoje, aos diversos discursos que vestem sua imagem moderna. E, a tentativa de discutir sua essência, baseada na sua estrutura atual é, muito complicada, pois, esta construção é de idéias e não de práticas sociais. A capoeira atual tem toda sua construção relacionada aos discursos nacionalistas do final do século XIX e começo dos XX. Tendo duas linhas básicas: a carioca com sua ginástica nacional e a baiana com seu Projeto Regional. A capoeira carioca está historicamente imbricada nas "maltas de capoeiras" cariocas, dos 1800, acrescida da “filosofia da malandragem carioca”. A baiana, imbricada na cultura negra baiana, onde é atuante a visão do mundo do candomblé”.

Dentro deste universo interpretativo da origem e identidade da capoeira está a ruptura da capoeira como movimento social, por um lado - que fez parte da construção do contexto cultural, do Rio de Janeiro, com as Maltas de capoeiras carioca e com os Brabos e Valentões do Recife do séc. XIX – e a capoeira sem identidade social, por outro; construída a partir dos discursos intelectuais, tanto o carioca, como o baiano. O baiano; é o discurso que vai se estabelecer como o hegemônico, auxiliado pela construção do método da luta regional do Mestre Bimba.

Para fazermos uma análise sobre esta questão, temos que voltar no tempo e analisar o contexto da realidade sócio-cultural, de espaços contemplados com a existência de registros identitários e territorial da capoeira. Dentro deste olhar, surgem dois espaços capoeiras- o das cidades de Recife e Rio de Janeiro.

Estes dois nichos urbanos eram, neste período, os dois maiores pontos de comunicação com o restante do mundo. Ou seja, eram os grandes centros, no Brasil, de maiores circularidades, no século XIX, de pessoas, idéias, comércio etc. E, este ponto de interação era a zona portuária. Os portos, neste período, eram a conexão com o global. Eles eram os pontos que estavam conectados com a perspectiva globalizante. Comunicavam-se e trocavam idéias com nichos sócio-culturais semelhantes.

No século XIX, diversos movimentos conectados com este universo portuários apresentaram formas de organização identitária e territorial semelhantes: as gangues de rua. Movimentos sociais anárquicos, ou seja, que construíam sua realidade, a partir do indivíduo através da desconstrução do estabelecido. Estes movimentos, neste período, se comunicaram entre si, tendo como ponto de conexão, na época, o porto. Porém, o porto teria que ter algo que produzisse sua conectividade. Ou seja, o motivo desta relação: sua força de espaço sócio-econômico. No Brasil, estes espaços, nesse momento, eram: o Rio de janeiro e Recife. O Rio de janeiro pela imposição de se tornar capital do Reino português que produziu a abertura de seu porto e a emergência de uma diversidade de fatores que ficaram adormecidos durante toda sua existência colonial. Recife, o espaço brasileiro que desde seu início, foi o lugar mais brasileiro do Brasil, foi onde surgiu a perspectiva libertária e revolucionária brasileira. Sempre representou para Portugal o lado anárquico brasileiro, com as suas insurreições que minaram o absolutismo Português. Como a revolução de 1817, que em dois meses fez um ensaio de uma nova nação e provocou a partir daí, cinco anos depois, a ruptura (a independência do Brasil ) com Portugal. Recife, território pertencente à única capitania hereditária em que seu donatário, Duarte Coelho, e sua mulher, Brites de Albuquerque, em 1535, assumiu pessoalmente o espaço. Este fato mostra a raiz da forte personalidade nativista do Pernambucano. Introduz, desde o início, a perspectiva de identidade e da territorialidade, que vão ser o caminho da construção da grande diversidade sócio-cultural pernambucana. Pois, Pernambuco, vai ser o grande centro econômico a navegar na realidade do espaço sócio-econômico do Brasil, nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.

A capoeira do século XIX, no Rio com as Maltas de capoeira e em Recife com as gangues de rua dos Brabos e Valentões foram um movimento muito semelhante aos movimentos das gangues de savate em Paris e das maltas de fadistas de Lisboa do século XIX. A semelhança está presente no vestuário, como uso de lenço de seda no pescoço, como no instrumental de combate (navalha, porrete, bengala etc). E, o que mais chama atenção nesta semelhança é que o gestual de luta (comunicação gestual) desses movimentos é também parecido um com o outro, ou seja, os golpes usados na aguerrida comunicação gestual são semelhantes. O que vai diferenciar é a forma de se comunicar no contexto; cada um cria sua sócio-fronteira, através de sua perspectiva identitária e territorial, com espaços personalizados que vão os diferenciar, com seus atores, entre si, no próprio contexto sócio-cultural. Da mesma forma, o conjunto destes espaços de sócio-fronteiras vai produzir uma forma única de personalidade social a diferenciar de unidades socio-culturais semelhantes.

Por volta de 1850, Nova York, Paris, Marseille ,Lisboa, têm registros deste movimentos de gangues de ruas. No Brasil, as cidades do Rio de Janeiro e Recife são as únicas que respondem a estes movimentos globalizados urbanos, através dos movimentos das Maltas de Capoeira Cariocas e no Recife pelas gangues que disputavam os espaços por eles demarcados identitariamente. Desta forma, defendiam todas as formas de manifestação rítmicas que estavam dentro desta sócio-fronteira. Para isto se incorporavam a cada uma delas.

A capoeira vai ter sua presença registrada como grupos de sócio-fronteiras, a partir de meados do século XIX, tanto no Rio de Janeiro como no Recife.

No Rio, ela se apresentou organizada em verdadeiras confrarias denominadas Maltas. Seus nomes variavam conforme a freguesia em se organizavam (espaços de sócio- fronteiras). Assim chamava –se de “cadeira da Senhora” a da freguesia do Santana; de “três cachos” a de Santa Rita ou Flor da Uva; a dos “Franciscanos” a do bairro de São Francisco; por “Flor da Gente” era conhecida a Malta Glória; “Espada”, a da Lapa; a de”Monturo”, a de Santa Rita, também conhecida por Lusitanos; a de “São Jorge” ou “Lança”, a do Campo da Aclamação.

Estas diversas Maltas de capoeira dividiam-se em dois grupos (Nações) rivais: os Nagoas e Goyamus.

Tinham seus sinais característicos e suas saudações típicas. De seu ritual, faziam parte juramento e preces. Tomavam parte de todas as manifestações cívicas e festas populares. Eram vistos durante as paradas, precedidos pelos caxinguelês (aprendizes), gingando à frente dos batalhões durantes as paradas.

No Recife, os grupos de capoeira vão mostrar uma organização semelhante, porém vão estar mais atrelados às manifestações rítmicas. As bandas militares foram as primeiras organizações rítmicas absorvidas pelos espaços iniciais de sócio-fronteiras da capoeira. A partir das Bandas do 4º Batalhão de Artilharia ou Banha Cheirosa e o Hespanha ou Cabeças Secas, do Corpo da Guarda Nacional, os grupos criam duas unidades sócio-fronteiriças: O partido do 4º ou Banha cheirosa e o partido Hespanha ou Cabeças Secas. A partir desta perspectiva identitária territorial a capoeira pernambucana travou uma verdadeira batalha através de suas pernadas, sua ginga solta, aliadas à bengala, ao porrete, à navalha, à faca etc. Sendo o frevo, dos espaços rítmicos os últimos de suas brincadeiras. Ritmo proveniente destas estruturas de bandas e o passo da aguerrida comunicação dos capoeiras.

A Capoeira sem identidade social.

A capoeira do 1800, do Rio e do Recife, morre com advento da República. Inimiga da Capoeira, a República vem com uma proposta de reformas sociais e urbanas, com críticas à organização e à expressão popular da sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito à imagem do Brasil português e à mestiçagem étnica e cultural. Sua proposta alternativa seria baseada no modelo cultural europeu republicano, e qualquer coisa que estivesse fora desses princípios era desconsiderada. Sob influência do positivismo europeu, introduz mudanças que vão alterar a estrutura do espaço cultural carioca. Entre essas mudanças estava a alteração da forma da malha urbana, com a destruição do morro do Castelo e a introdução, sobre a nova geoforma, de uma estrutura arquitetônica semelhante ao centro da cidade parisiense, com avenidas largas, ruas ventiladas e arborizadas. Este processo é associado a um grande saneamento de hábitos culturais imposto à força para melhoria da qualidade de vida da cidade carioca, que naquele momento sofria de uma série de males produzidos pelo baixo padrão de infra-estrutura de saneamento existente.

Essas mudanças alteraram os nichos culturais e mudaram a geografia cultural da cidade ao perderem-se espaços de expressões culturais, o que levou a desarticular a forma de organização urbana e quebrar a dinâmica interativa da comunidade que a compunha. Assim, alterou-se o processo que personalizava a capoeira, pois mudou o seu contexto social ao mexer-se em seus elementos essenciais. As maltas desaparecidas são substituídas pela solitária figura do malandro.

A capoeira, das Maltas, do Rio e dos Brabos do Recife, foi desmobilizada em menos de dois anos.
Toda uma história de mais de quarenta anos se desfaz. No Rio, morrem os grupos de capoeiras e aparece a figura do malandro. Malandro é um indivíduo e a Malta; um grupo social.

Daí começa o processo da construção da capoeira esportiva: A capoeira atual. Tendo duas linhas básicas: a carioca com sua ginástica nacional e a baiana com seu Projeto Regional.

A proposta Carioca A Ginástica Nacional
- Capoeira carioca: a "Luta Nacional"; Aníbal Burlamaqui com seu livro, Gymnastica Nacional (capoeiragem) Methodizada e Regrada; Sinhozinho ensinando a "capoeira de sinhô" (uma capoeira para briga de rua), a partir de 1930; Madame Satã e os malandros da Lapa, a partir de aproximadamente 1920. Esta proposta - "capoeira carioca" - está historicamente imbricada nas "maltas de capoeiras" cariocas, dos 1800s, acrescida da "filosofia da malandragem carioca" que já se tornara popular através das letras de conhecidos sambas.

A proposta Baiana Projeto Regional
- Capoeira baiana: um "projeto regional"; Jorge Amado com seus romances e personagens da "cultura negra baiana"; mestre Bimba e sua "capoeira regional"; os valentões e desordeiros da "era de 1922", e jogadores mais "lúdicos" como Samuel Querido-de-Deus e outros. Esta proposta - "capoeira baiana" - estava imbricada na cultura negra baiana, onde é atuante a visão do mundo do candomblé.

A idéia baiana vai ser a hegemônica, apesar de que em Salvador não tenha registro de capoeira como movimento social. Talvez isto tenha facilitado a construção desta proposta de capoeira, que chega aos dias de hoje, espalhada no Mundo todo. Porém, hoje já começa a apresentar resistências em determinado contexto, pois sua construção é toda artificial.; Carregada de mitificação, reinvenção de tradições e de discursos, próprios de qualquer proposta de construção racionalizada que esconde a fragilidade de sua personalidade sócio- cultural.


GRUPO MALTA SENZALA


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

HISTÓRIA, FILOSOFIA por Nestor Capoeira

APRESENTAÇÃO

Os praticantes chamam-no "Jogo", "Jogo de Capoeira".

Mas não é um jogo no sentido de ser um "esporte" pois não existe perdedor nem vencedor, não existem juízes, não existe um tempo pré-determinado para a "partida", nem tampouco regras rígidas apesar da tradição sugerir algumas linhas de ação para a dinâmica do Jogo.

Isto fica muito claro quando se sabe que, no passado, em Salvador no início dos 1900s, a capoeira era carinhosamente chamada de "vadiação" ou "brincadeira" pelos seus praticantes.



DESENHO DE NESTOR CAPOEIRA BASEADO EM FOTO DO FOLHETO QUE ACOMPANHAVA O DISCO LP DE TRAÍRA E COBRINHA VERDE (APROX. 1960)

Nós poderíamos dizer que a capoeira é uma luta-dança-jogo:

luta: possui golpes e quedas que, sem dúvida, poderiam pertencer ao contexto das artes marciais e da auto-defesa

dança: é realizada ao som de instrumentos musicais típicos (berimbau, pandeiro, atabaque, ganzá, agogo) e cantos, além de englobar elementos de dança;

jogo: além de "vadiação", era comum um jogador convidar o outro - "vamos brincar?" -; "brincadeira", "jogo".




DESENHO DE NESTOR CAPOEIRA BASEADO EM FOTO DO FOLHETO QUE ACOMPANHAVA O DISCO LP DE TRAÍRA E COBRINHA VERDE (APROX. 1960)


Encontramos, ainda, movimentos acrobáticos no "diálogo corporal" da capoeira. E também algo que poderia ser qualificado como "ritual", apesar do Jogo nada ter a ver com religião.

Os jogadores formam uma "roda" e uma meia dúzia toca os instrumentos musicais - berimbau, pandeiro, atabaque, etc. -, enquanto os demais batem palmas e cantam. Dois jogadores entram na roda... o Jogo começou.


CARYBÉ, APROX. 1960

Estes assuntos - o jogo, o histórico, a filosofia, a música, o ritual, e o método de ensino e aprendizado -, assim como a vida e a filosofia dos Grandes Mestres do passado, têm sido abordado e transmitidos, com diferentes enfoques, pelos mestres de capoeira no contato pessoal com seus alunos e, também, em bate-papos informais e encontros "oficiais" - tradição oral - por muitas décadas.

Mas além disto, em 1834 já temos uma descrição e uma gravura - "Jogar capüera ou dance de la guerre"(RUGENDAS, J.M. Voyage pittoresque et historique dans le Brésil. Paris: Engelmann et Cie, Paris, 1834) - do artista alemão Rugendas; e, em 1886, um livro - "Os capoeiras" - do escritor (e capoeira) Plácido de Abreu.



JOGAR CAPÜERA OU DANCE DE LA GUERRE". RUGENDAS, 1835

Daí em diante, vez por outra aparecia um livro, ou um artigo num jornal, até que, a partir aproximadamente 1990. a pesquisa sobre a capoeira cresceu - livros, teses de doutorados etc. -, e, hoje, temos muita informação, grande parte sendo desconhecida dos praticantes.

Alguns destes livros também estão sendo publicados em outras línguas, em outros países: Holanda, Dinamarca, Polônia, Finlândia, Alemanha, Estados Unidos e França.

Abaixo, vamos recortar e condensar partes de alguns destes livros para o leitor ter, ao menos, uma versão simplificada (e, por isto mesmo, falha e estereotipada) da filosofia e história da capoeira.

Vamos também disponibilizar, no fim desta página - para os que estão fazendo pesquisa -, a tese de doutorado de Nestor Capoeira (PASSOS NJETO, Nestor S. dos. "Jogo Corporal e Comunicultura", ECO-UFRJ, 2001), que enfoca a capoeira em profundidade, com amplo apoio da bibliografia existente, e do depoimento de mestres consagrados (muitos já falecidos).

FILOSOFIA

Capoeira é tudo que a boca come
(Mestre Pastinha, 1889-1981)

Capoeira é "mardade"
(Mestre Bimba, 1900- 1974)

A malícia, considerada a filosofia e a essência do jogo, é um dos "fundamentos" básicos da capoeira. A malícia, num sentido amplo, é a maneira como o jogador "vê", e "joga" com a vida, o mundo e, especialmente, as pessoas.

Cada mestre, cada jogador, e até cada iniciante, explica a malícia da sua maneira. E isto não é errado: não há como transformar a malícia num conceito fechado, numa "verdade" expressa em palavras; da mesma maneira que é impossível exprimir em palavras "o que é a vida", "o que é a arte", "o que é o amor", a "amizade" ou o "ódio".

Eu sempre fui um apaixonado pela "filosofia da capoeira" - a malícia - desde que fui iniciado por mestre Leopoldina, em 1965.

Nos anos seguintes, conheci os mestres Bimba, Pastinha, Noronha, Waldemar, Caiçaras, Canjiquinha, Paulo dos Anjos, Atenilo, Ezequiel, e muitos outros. Sempre que podia, conversava e, sobretudo, convivia e observava como se portavam em diferentes situações. Perguntava, também, depois de já ter estabelecido um mínimo de camaradagem:
- Mas, afinal de contas, mestre, o que o sr. acha que é essa tal de malícia?

Com os anos, a observação e a vivência em conjunto; as experiências pessoais e as respostas e definições dos Velhos Mestres; e, principalmente e sobretudo, o Jogo na Roda, com pessoas muito diferentes, em diferentes lugares, forjou, dentro do meu corpo, e daí para meu cérebro e para as páginas de papel onde eu escrevia, o que é a malícia - ao menos, como Ela se apresentou para mim.


"MESTRES CAIÇARAS, LIVÍNIO, WALDEMAR DA PAIXÃO, COBRINHA VERDE, PAULO DOS ANJOS, JOÃO GRANDE, GATO, CANJIQUINHA, JOÃO PEQUENO, MARÉ, ATENILO, E LEOPLDINA". DESENHO DE NESTOR CAPOEIRA BASEADO EM FOTO (APROX. 1970).

No livro "Capoeira, o pequeno manual do jogador" (1981), eu expliquei que, num sentido mais específico, a malícia é aquilo que permite ao jogador saber o que o outro vai fazer; e, ao mesmo tempo que o engana - fingindo que vai fazer algo, e fazendo um movimento completamente inesperado -, domina completamente o Jogo.

No livro "Capoeira, galo já cantou" (1985), dissemos que, do ponto de vista da Capoeira, os seres humanos são medíocres, mesquinhos, limitados, falsos, preconceituosos, invejosos, covardes e cruéis. A sociedade na qual vivemos - na visão da Capoeira - também não é melhor: riquezas mal distribuídas, recursos naturais mal utilizados, injustiça social, miséria, guerra, violência, consumismo e controle através da mídia, valores falsos e estereotipados.

Isso fica bem claro quando escutamos algumas músicas clássicas de capoeira:
“Êta mundo velho e grande, Êta mundo enganador se canto desta maneira foi vovô quem me ensinou”
“Lê quer me matar, iê na falsidade”
“Urubu como folha?
Côro: É conversa fiada!”

O "urubu", ao qual se refere o cantor, não é a ave. O "urubu" somos nós, os seres humanos, que não somos mansos herbívoros - "como folha?" -, mas, sim, terríveis carnívoros. A malícia da Capoeira é o conhecimento de todas estas coisas.

Ou seja, é o "conhecimento da verdadeira natureza do homem" (urubu come folha? ... é conversa fiada); mas este "conhecimento" deve ser temperado com uma grande dose de "bom humor" (dizemos "bom humor" em falta de um nome melhor).

Este "bom humor" está representado na energia positiva, no alto-astral, do som que acompanha o jogo dentro da roda.

Como a malícia da capoeira é brasileira, podemos dizer que ela está "vestida" com as "roupas", e as "cores", da cultura afro-brasileira, e da cultura-popular-marginal-urbana (leia-se, "malandragem").

Meu camarada, o capoeira é muito mais que um lutador que dá pernada. Ele é uma artista, sua força é a alegria de viver. Ele conhece a palavra-chave “Amor” e no entanto o capoeirista sabe: a maldade existe. Será que tu ainda não ouviu o que se anda cantando nas rodas por ai: Galo já cantou, já raiou o dia.
(Nestor Capoeira)

Esta malícia ( conhecimento dos homens + bom humor) permite ao jogador "ver" este cenário vivo, brutal e cruel, sem se tornar deprimido, amargo, agressivo, árido; ou preocupado e "sério" em demasia.

O "conhecimento da verdadeira natureza do homem" (uma das partes da malícia), incluindo o conhecimento de si próprio, vêm (um pouco mais ou um pouco menos) para todos os jogadores: é conseqüência de jogar com diferentes pessoas (de diferentes personalidades, ideologia, origem social, idade, cor, sexo, etc.), em diferentes "rodas", em diferentes lugares.

Este "conhecimento" não é um "saber racional". Ele não é absorvido, apreendido, e encarnado, através da leitura ou falando sobre ele. É uma espécie de "conhecimento" ou "saber corporal" que adquirimos jogando capoeira (queira ou não queira, o jogador).

Neste sentido, o "conhecimento dos homens" é diferente do "bom humor" (a outra parte da malícia); pois o "bom humor" tem que ser alimentado e desenvolvido por iniciativa pessoal de cada jogador.

O "bom humor" não vem como uma conseqüência inevitável do Jogo.

O "bom humor" (dizemos "bom humor" em falta de um nome melhor), ao qual nos referimos, não é aquele que vemos na TV; e também não é o "don't worry, be happy" (não se preocupe, seja feliz) "politicamente correto" em alguns círculos moderninhos americanos.

O "bom humor" é uma espécie de tesão pela vida.

Você já viu crianças brincando na beira do mar?

Elas pulam numa perna só, correm, gritam, fogem das ondas que "se desmancham na areia", e perseguem-nas incansavelmente sem se cansar, pois estão alimentadas por um outro tipo de energia (de difícil acesso aos adultos, exceto, talvez, nas festas, no carnaval, etc.).

O "conhecimento", sem o apoio do "bom humor", pode se tornar muito "pesado".

Pode transformar o jogador numa pessoa incapaz de "curtir" a vida.

Pode transformar a pessoa em alguém que só se interessa - e é completamente fascinado - pelo poder e seus jogos.

Isto afasta o jogador da essência do Jogo.

Agora talvez você entenda melhor a canção:
Meu camarada, o capoeira é muito mais que um lutador que dá pernada.
Ele é um artista, sua força é a alegria de viver.
Ele conhece a palavra-chave "Amor" e no entanto o capoeirista sabe: a maldade existe.
Será que tu ainda não ouviu o que se anda cantando nas rodas por ai: Galo já cantou, já raiou o dia.

HISTÓRIA

No livro "Capoeira, os fundamentos da malícia" (1992) expliquei que existem varias teorias sobre as origens da capoeira, embora todos concordem que foi uma "invenção" dos africanos:

• Uns dizem que foi criada na África e trazida ao Brasil pelos escravos. Outros afirmam que foi uma "invenção" do escravo africano, no Brasil.

• Uns dizem que se desenvolveu nas senzalas das grandes plantações de cana-de-açúcar e café, a partir de 1500. Outros afirmam que floresceu nos quilombos. Ou, ainda, que se desenvolveu nas grandes cidades brasileiras (Rio, Salvador e Recife), nos 1800s.

• Uns dizem que a capoeira é muito antiga, no Brasil, desde o começo da colonização de nosso país, nos 1500s. Outros afirmam que a capoeira, tal como a conhecemos agora (com roda e berimbau), só começou a rolar a partir do começo dos 1900s, na Bahia.

• O que se sabe, na verdade, no momento atual, refere-se apenas ao período que começa em 1800.

Já vai longe o tempo em que todos "pesquisadores" diziam:
"A capoeira era uma luta que se disfarçou em dança, para escaoar às perseguições dos feitores e senhores-de-engenho".

Temos muitas novas informações, hoje em dia, sobre o passado da capoeira.

Mas isto não quer dizer que temos "certezas" em tudo. Algumas coisas parecem claras. Às vezes confirmam as expectativas e idéias da maioria dos capoeiristas; outras vezes, não.

Outras coisas, do passado da capoeira, ainda são desconhecidas, e diferentes estudiosos e capoeiristas divulgam teorias muito diversas.

O que de fato sabemos (e nem aí sabemos tudo), começa com a chegada de D. João VI, o rei de Portugal, ao Brasil em 1808. Pois, a partir daí, os registros dos eventos daquela época começaram a ser feitos com mais cuidado, pelos burocratas da corte de D.João VI. Inclusive os registros policiais, que se revelaram uma grande fonte de informação sobre o que era a capoeira nos anos de 1800s.


D. JOÃO VI". DEBRET, 1824.


A GUARDA REAL". DEBRET (DETALHES), 1824.

Em 1808, o rei D. João VI veio para o Brasil - a maior colônia portuguesa, na época -, fugindo de Napoleão Bonaparte que tinha invadido Portugual.

Com a chegada do rei português e sua corte - umas 4.500 pessoas, na primeira leva -, no Rio de Janeiro que, na época, tinha uns 700.000 habitantes, mais de metade sendo escravos negros, começou uma repressão à várias manifestações da cultura negra (dos escravos) jamais vista. Isto provocou uma resposta que, na capoeira (que apenas "engatinhava" e era praticada apenas por pequenos grupos de escravos): a capoeira assumiu uma forma ainda mais violenta.

Aos poucos, os capoeiras se organizaram em maltas, compostas inicialmente apenas por escravos africanos "ladinos" (que já estavam adaptados ao Brasil, em oposição ao escravo "boçal", recém-chegado da África).

Mas por volta de 1850, as maltas já tinham absorvidos os creoulos (negros nascidos no Brasil), negros livres, e mulatos (filhos de negra com branco).

E em 1870, as maltas já tinham absorvido homens de todas as cores e, até, de outras nacionalidades: em 1863, um em cada três capoeiras preso, era português. Nas maltas conviviam não só a "ralé" das ruas, mas também militares de todas as patentes, além dos violentos margaridas e cordões (os ricos playboys da aristocracia de então).

As maltas aterrorizavam a cidade (semelhante às gangues de tóxicos cariocas contemporâneas), enfrentando a polícia e intimidando o cidadão "decente e honesto",

Cada malta dominava uma parte da cidade - a Flor da Gente, da Glória, por exemplo, era célebre por volta de 1870 -; e faziam parte de dois grandes grupos - os Guaimus e os Nagoas. Muitas eram patrocinadas por políticos poderosos que usavam-nas como pequenos exércitos paramilitares urbanos, na época das eleições. Até a Princesa Isabel, filha do imperador brasileiro, D. Pedro II, tinha a sua Guarda Negra, uma malta de capoeiras patrocinada por José do Patrocínio com verbas secretas da polícia.


DESENHOS DE KALIXTO, 1906

Quando a República foi proclamada, em 1890, a capoeira foi posta fora de lei (pois muitas maltas apoiavam os políticos monarquistas e, além disto, dominavam as ruas). Uma repressão e perseguição violentas desbarataram a poderosa capoeira carioca; mas a capoeira baiana (muito menos atuante e menos poderosa, na época) sobreviveu.

Em Salvador, na Bahia, por volta de 1920, a capoeira baiana que não tinha muita visibilidade durante todo os 1800s, já tinha absorvido elementos (africanos) lúdicos de dança, música, jogo, ritual (diferente da capoeira das maltas cariocas que era somente de luta).

Com estas características, mais amplas, a capoeira baiana se tornou numa espécie de "arma cultural" utilizada pelos africanos, e seus descendentes, para re-afirmar sua identidade e resistir à sociedade branca dominante e hegemônica (ao lado de outras manifestações, como o candomblé, p.ex.).

Utilizando esta estratégia, a capoeira baiana (diferente da carioca) sobreviveu à perseguição policial do final dos 1800s e continuou a se desenvolver, na marginalidade, até a década de 1930, quando a prática da capoeira começou a ser permitida.


GETÚLIO VARGAS
Na década de 1930, Getúlio Vargas tomou o poder, e o manteve durante os próximos 20 anos.

Getúlio quis construir uma nova identidade, e uma nova face para o Brasil, baseada na modernidade, na indústria, e no "trabalho duro e sério". O Brasil, na época, ainda tinha uma economia agrícola e de gado; a maioria dos artigos "modernos" e manufaturados eram importados do estrangeiro por um alto preço.

Vargas compreendeu que a capoeira poderia fazer parte do novo "rosto" deste novo Brasil (de 1930). Mas não a violenta capoeira das maltas cariocas dos 1800s, nem a capoeira dos malandros cariocas do início dos 1900s.

A capoeira baiana, da década de 1920, praticada pelo valentão e desordeiro, sempre metido em confusão com a polícia, em bebedeiras na área da prostituição em Salvador, também não servia.

Vargas permitiu, então, a prática de uma (nova) capoeira; a ser praticada apenas em "locais fechados" (não mais nas ruas e praças), e com alvará da polícia.


MESTRE BIMBA (1900-1974), DESENHO DE MESTRE BODINHO (APROX. 1980)

MESTRE PASTINHA (1889-1981), DESENHO DE NESTOR CAPOEIRA

Mestre Bimba, na década de 1930, com o seu "Centro de Cultura Física Regional" (onde, pela primeira vez, Bimba criou um método de ensino, que é a base do ensino da capoeira até hoje); e, mais tarde, na década de 1940, mestre Pastinha, com seu "Centro Esportivo de Capoeira Angola"; aproveitaram a brecha aberta por Vargas e apresentaram uma "nova" capoeira (na verdade, duas) que poderia ser aceita pela sociedade dominante.

Embora as idéias, e muitos dos valores, de Bimba e Pastinha fossem diferentes, ambos utilizaram o que poderíamos chamar uma "estratégia de sedução" (conforme nos ensinou mestre Muniz Sodré) para conquistar um maior espaço para a capoeira e para o homem negro. Isto ocorreu apesar da capoeira regional, de mestre Bimba, ter uma característica mais "esportiva" e "de luta"; e a capoeira angola, de mestre Pastinha, ter uma característica mais "lúdica" e "ritual" (desculpem-me as simplificações estereotipantes , resultado do pouco espaço disponível neste site, vejam meus livros para um melhor enfoque, ou procure na minha tese no final desta página).

Foi esta capoeira baiana que , mais tarde, a partir de 1950 - e já dividida em angola e regional -, emigrou para o Rio e São Paulo, e todo o Brasil.

E, a partir de 1971, já com um método de ensino mais sofisticado devido ao trabalho de jovens mestres do Rio, São Paulo e Salvador, a capoeira viajou - por iniciativa pessoal de alguns (então) jovens mestres - para o exterior (inicialmente Nestor Capoeira, em 1971, na Europa; e Jelon Vieira, em 1975, nos Estados Unidos; e, logo depois, muitos outros).

Na década de 1980, a capoeira expandiu-se em progressão geométrica, uma verdadeira avalanche que já englobava centros na Europa Ocidental e Estados Unidos.

Para se ter uma idéia, quando fui iniciado por mestre Leopoldina, no Rio, na década de 1960, só existiam, fora da Bahia, uma meia dúzia de centros de capoeiragem no Rio, e outra meia dúzia em São Paulo. Hoje em dias são mais de 1.000 professores atuando em cada uma destas cidades.

E quando ensinei no London School of Contemporary Dance (Inglaterra), em 1971, não havia mais ninguém dando aulas no estrangeiro. Hoje são mais de 500 professores na Europa, e mais de 500 nos Estados Unidos (onde a North Atlantic Books já vendeu mais de 40.000 dos meus livros de capoeira, em inglês).


DESENHOS DE NESTOR CAPOEIRA BASEADO EM FOTOS DO GRUPO SENZALA, APROX. 1970



GRUPO MALTA SENZALA


A Formação do Grupo Senzala (1960 – 1970)

A fusão das duas escolas da moderna capoeira (carioca e baiana) em contexto que permite sua globalização. - A gênese do Grupo Senzala.


A década de 60 é marcada pela simbiose entre as proposta da gestualidade moderna carioca com a baiana, este processo se dá com o Grupo Senzala.O período da década de sessenta foi riquíssimo em termos de transformações culturais, no Brasil e no Mundo de uma forma geral.

No Rio de janeiro, capital cultural brasileira, surgem os grandes movimentos culturais, como a bossa nova, o cinema novo etc. e é o palco do grande movimento contra-cultural que ocorre no mundo ocidental, sendo particularmente a zona sul, da cidade do Rio de Janeiro, o grande o epicentro desta efervescência cultural.Neste contexto, surge o grupo Senzala, que é formado por jovens leitores da capoeira de Sinhozinho e alunos iniciantes de Bimba.

Este é o grande marco da capoeira moderna, pois ao aglutinar estas duas escolas de movimentação induzida, a capoeira toma o impulso da massificação.Em sua fase embrionária, o grupo se percebia fazendo a capoeira regional, do Mestre Bimba e vários fatores contribuíram para isto, primeiro a idéia de criar um espaço capoeira, parte de dois irmãos, os baianos Paulo e Rafael Flores, que foram alunos de Mestre Bimba, alem das influencias sofridas, nesta fase embrionária, por alunos antigos de Bimba como Acordeon, Camisa Roxa e Jair Moura.

Este procedimento levou ao domínio da estrutura organizada do método da capoeira regional, porém as informações da capoeira moderna carioca do Sinhozinho estavam interagindo na invisibilidade, pois a maior parte de seus integrantes que tinham conhecimento de capoeira, anterior a esta fase, foram iniciados pela estrutura do Sinhozinho. Dentre este, temos Gil velho seu irmão Gato e diversos integrantes que participaram desta fase embrionária e não continuaram no mundo da capoeira.

Nesta fase é feita uma grande leitura da capoeiragem que está presente no universo carioca, os integrantes deste contexto inicial trocam e interagem com pesssoal da zona norte, participando das rodas do Artur Emídio e até de torneios em nome de outras agremiações, como foi o caso do torneio do Berimbau de Prata, na praça Rato Molhado em Santa Tereza em 1964, onde participaram em nome da academia de Valdo Santana, que tirou 3º lugar no evento, o primeiro lugar, ficou com a academia Bonfim, que por sinal era de formação baiana.

Em 1966, o grupo oficializa-se com o nome de Senzala, por esta ocasião, seus elementos constituintes eram Gil Velho, Gato, os irmãos Rafael e Paulo, Antero, Mosquito e os mascotes Garrincha e Sorriso. Em breve se aglutinou ao grupo, Preguiça, aluno do Mestre Bimba, Itamar, Cláudio Danadinho, Tabosa, Peixinho, Mosquito e Borracha.

Em 1968 e 69 entram Baiano Anzol, Lua, Caio, Nestor Capoeira, Cipó, dentre outros que, posteriormente, seguiram caminhos independentes.O grupo aumenta seu potencial de diversificação, não só pelo quadro de seus elementos constituintes, mas também pelas constantes viagens culturais pela Bahia e São Paulo onde elementos oriundos da capoeiragem baiana e carioca abrem espaços de capoeira.

Tendo contactos diretos com Mestres como Bimba e Pastinha e boa parte do universo baiano da capoeira.O universo vivenciado pelo grupo, no mundo da capoeira moderna, somado as influências do contexto carioca, deu-lhe um grande potencial diferenciador em relação aos demais, a criação de um estilo de movimentação com um design, onde a influência de outras artes marciais, como o caratê que chega com força no universo carioca, mais as influências do contexto cultural vivenciado, serão os elementos que vão propiciar a criação de uma estrutura de movimentação, cuja forma é congelada a um padrão de excelência, que permite o desenvolvimento de um método eficaz, pois seu movimento pasteurizado tem como objetivo clonar o indivíduo ao padrão edificado, perspectiva da ótica moderna globalizante.

O redesenhamento da estrutura metodizada da comunicação gestual, somada a estrutura rítmica padronizada e a característica do contexto envolvido, como de estar localizada na Zona Sul carioca, ser composta principalmente por jovens universitários, desenvolver uma proposta pasteurizada que se combina ao momento cultural (música, movimentos e tradição brasileira), espaço-tempo do movimento contra-cultural. No evento, Berimbau de Ouro, que foi uma competição de estilos de comunicação gestual, do qual o Senzala sai vencedor por três anos consecutivos (1967, 1968, 1969), deu-se o melhor cenário para projetar o Grupo Senzala, como o grande nome da capoeira nacional.

Neste momento o Rio passa a ter a gerência do movimento nacional de capoeira, não a gerência comercial, mas a influência no processo que vai dominar até os anos 90, do estilo da gestualidade da capoeira. O Senzala é o grande formadora das grandes corporações de capoeira direta ou indiretamente, as quais criam territórios destituídos de identidade, pois não são construídos pelos seus indivíduos, sua construção obedece o mesmo processo da estrutura de uma estado nacionalista, normatiza suas fronteiras e suas formas de convivência, o que não favorece o retorno da identidade perdida da grande e melindrosa "Flor da Gente".



Grupo Malta Senzala